Por Igor de Almeida Rodrigues
A utilização de produtos naturais com propriedades terapêuticas é tão antiga quanto a espécie humana e, por um longo tempo, produtos de origens mineral, vegetal e animal foram as principais fontes de medicamentos utilizadas por diversos povos. A prática de utilização de produtos naturais é conhecida como medicina tradicional. A recente valorização da medicina tradicional se deve, em parte, ao reconhecimento da sabedoria indígena, à incorporação de algumas plantas e seus extratos na farmacêutica, à necessidade do cuidado à saúde ser acessível a todos e à percepção de que produtos naturais seriam mais seguros e eficazes do que os medicamentos produzidos farmacologicamente.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a medicina tradicional pode ser definida como a soma total das práticas baseadas em teorias, crenças e experiências de diferentes culturas e tempos, muitas vezes inexplicáveis, utilizadas na manutenção da saúde, assim como na prevenção, diagnóstico, tratamento e melhora de enfermidades. O papel crucial que a medicina tradicional exerce no cuidado à saúde de grande parte da população que vive em países em desenvolvimento é reconhecido mundialmente. De fato, por séculos, a medicina tradicional era o único sistema de cuidado à saúde disponível para a prevenção e tratamento de doenças em diferentes culturas.
Baseadas na medicina tradicional, diversas drogas foram descobertas através de estudos etnofarmacológicos, que levam em consideração o conhecimento popular sobre o uso terapêutico de produtos naturais. Medicamentos hoje produzidos em laboratório foram descobertos em planas, tais como o ácido acetilsalicílico (Filipendula ulmaria), a digoxina (Digitalis lanata), morfina (Papaver somniferum), e a quinina (Cinchona pubescens). É curioso notar que boa parte das drogas utilizada clinicamente para o combate a mico-organismos infecciosos é derivada de produtos naturais. A quinina e a cloroquina (C. pubescens) e a artemisinina (Artemisia annua) são importantes compostos antimalária, doença causada pelo protozoário Plasmodium falciparum. Já a emetina, composto obtido das raízes de Cephaelis ipecacuanha, é um potente agente no combate a Entamoeba histolytica, protozoário causador da amebíase. Dentre os produtos naturais, as plantas são certamente uma importante fonte de substâncias candidatas a novas drogas. Dados da OMS mostram que cerca de 25% das drogas prescritas mundialmente vêm das plantas e, das 252 drogas consideradas como básicas e essenciais pela OMS, 11% são exclusivamente originárias de plantas e um número significativo são drogas sintéticas obtidas a partir de precursores naturais
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Figura 1. Artemisia annua (A) e seu composto bioativo artemisinina; Cephaelis ipecacuanha (B) e seu composto bioativo emetina.
A prática da medicina tradicional pode, de fato, representar um futuro promissor no desenvolvimento de medicamentos. Ainda, a análise da atividade farmacológica de diversos produtos naturais pode tornar possível o desenvolvimento de terapias de baixo custo a serem utilizadas em regiões economicamente desprivilegiadas. Contudo, cabe dizer que na ausência de base científica tais práticas podem gerar sérios danos à saúde. O uso abusivo e inadvertido de plantas medicinais é citado hoje como um importante problema de saúde para as populações, em particular por sua toxidez.
Bibliografia:
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Firenzuoli, F. & Gori, L. Herbal medicine today: clinical and research issues. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine. 2007. v. 4(S1): 37–40.
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WHO. Traditional medice. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs134/en/ . Acesso em 12 de agosto de 2013.
Por Maria do Carmo de Freire Bastos
Nisina Fonte: WILKIPEDIAA identificação e o desenvolvimento da antibiótico-terapia representam a principal conquista científica do século XX em termos de impacto sobre a morbidade e a mortalidade humanas. Entretanto, vários problemas têm surgido que limitam esses benefícios iniciais. Entre eles, destaca-se o surgimento de patógenos multirresistentes às drogas de uso corrente. Além disso, o número de novas drogas desenvolvidas, que poderiam ser utilizadas no tratamento de infecções causadas por esses patógenos multirresistentes, tem se mostrado limitado. Como consequência, há a necessidade de desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos que possam ser usados clinicamente, em substituição ou em paralelo aos antibióticos convencionais. As alternativas que têm sido investigadas incluem compostos derivados de plantas, bacteriófagos e peptídeos antimicrobianos de uma variedade de fontes. Uma opção que não pode mais ser ignorada é um subgrupo de peptídeos antimicrobianos conhecidos como bacteriocinas. As bacteriocinas são proteínas ou peptídeos bacterianos produzidos ao nível dos ribossomos e com atividade inibitória contra outras bactérias. Elas formam um grupo heterogêneo de substâncias, atualmente, divididas em peptídeos que sofrem uma extensiva modificação pós-tradução (classe I) e peptídeos cujos ácidos aminados não são modificados (classes II e IV).
Algumas bacteriocinas exibem uma marcante atividade contra microrganismos patogênicos, incluindo estirpes multirresistentes, e os seus mecanismos de ação são distintos daqueles apresentados pelos quimioterápicos. Embora algumas bacteriocinas exibam um amplo espectro de ação, podendo ser utilizadas no controle de infecções de diversas etiologias (Quadro 1), bacteriocinas potentes com estreito espectro de ação também têm sido descritas e que controlam certos patógenos-alvo sem afetarem negativamente a microbiota anfibiôntica. Embora a resistência a bacteriocinas também possa eventualmente surgir, ela pode ser minimizada através do estudo detalhado do mecanismo de ação de cada bacteriocina e através da engenharia de peptídeos, mediante a qual novas variantes podem ser construídas, apresentando solubilidade, estabilidade e potência ampliadas e espectro de ação estendido para incluir, inclusive, espécies patogênicas de bactérias Gram-negativas, tais como Shigella, Pseudomonas e Salmonella spp..
Quadro 1. Exemplos de bacteriocinas com potencial de aplicação no controle de infecções bacterianas.
Bacteriocina | Microrganismo Produtor | Microrganismo(s)-Alvo |
Nisina | Lactococcus lactis subsp. lactis |
Streptococcus pneumoniae Staphylococcus aureus resistentes à meticilina (MRSA) Enterococcus spp. resistente à vancomicina (VRE) Listeria monocytogenes Bacillus cereus Clostridium difficile |
Mersacidina | Bacillus sp. |
S. Pneumonia MRSA VRE |
Aureocina A53 | S. Aureus | MRSA Streptococcus agalactiae L. monocytogenes Moraxella bovis |
Lacticina 3147 | L. lactis | S. aureus e S. agalactiae envolvidos em mastite bovina |
Salivaricina B | Streptococcus salivarius |
Streptococcus pyogenes Streptococcus sobrinus |
Epidermina | Staphylococcus epidermidis |
Propionibacterium acnes S. aureus S. pyogenes |
Hyicina 3682 | Staphylococcus hyicus |
S. aureus L. monocytogenes B. cereus |
Referências:
Bastos, M. C. F., Ceotto, H., Coelho, M. L. V. & Nascimento, J. S. (2009). Staphylococcal antimicrobial peptides: relevant properties and potential biotechnological applications. Cur. Pharm. Biotechnol., 10: 38-61.
Cotter, P. D., Ross, R. P. & Hill, C. (2013). Bacteriocins – a viable alternative to antibiotics? Nat. Rev., 11: 95-105.
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Pesquisa realizada através da colaboração do Professor Davis Ferreira do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia, UFRJ e pesquisadores do Departamento de Bioquímica Molecular e Estrutural da Universidade Estadual da Carolina do Norte é publicada no Journal of Virology e vira capa desta edição. Neste artigo, com técnicas de microscopia eletrônica e imunocitoquímica das proteínas virais foi observado que os Alfavirus entram por penetração direta da membrana celular atrás de um poro formado pelo vírus e provavelmente por proteínas da célula hospedeira. Esta pesquisa foi tema de uma matéria no portal do Instituto de Microbiologia, na seção Publicações do IMPG.
Ilustração do vírus Sindbis infectando a célula hospedeira. http://jvi.asm.org/content/87/8.cover-expansion. (Cover photograph (Copyright © 2013, American Society for Microbiology. All Rights Reserved Journal of Virology 87 ( 8): 4352–4359. ( http://dx.doi.org/10.1128/JVI.03412-12)