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Por Jéssica Caroline De Araújo Silva

Matéria escrita para a disciplina “Tópicos de Divulgação Cientifica” do programa de pós-graduação em Ciência (microbiologia) do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes

As enzimas são proteínas conhecidas como catalisadores biológicos devido a sua capacidade de promover reações de maneira mais rápida e eficiente. Elas, então, se ligam ao substrato de forma bem específica, pois possuem uma região chamada de sítio ativo onde as moléculas da enzima terão alta especificidade com as moléculas do substrato. Assim, acontece a formação do complexo enzima-substrato e posteriormente uma reação modificação substrato, pela ação da enzima, com liberação de produto. Após a reação, a enzima retorna ao seu estado original.

diagrama

Esquema de uma reação enzimática pelo diagrama do encaixe induzido. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Enzima

Nos seres vivos, as enzimas possuem papel fundamental nas reações metabólicas, logo são indispensáveis para a sobrevivência de qualquer um deles. Além disto, diversas indústrias possuem grande interesse nas enzimas, pois podem ser aplicadas gerando produtos de grandes utilidades. Desse modo, as indústrias utilizam microrganismos que produzem enzimas de acordo com seu objetivo comercial. Sabe-se que bactérias incluindo actinomicetos e fungos têm esta capacidade, e devido aos interesses industriais, acabam sendo geneticamente modificados para produzirem maiores quantidades de enzimas. Os gêneros bacterianos como os Bacillus, Clostridium  ,Pseudomonas Streptomyces e Cellulomonas e  os fungos Aspergillus, Trichoderma , são utilizados para este fim e muitos destes são conhecidos como potenciais biotecnológicos.

collage bacillus

Bacillus (http://pt.wikipedia.org/wiki/Bacillus); Trichoderma (http://en.wikipedia.org/wiki/Trichoderma); e Streptomyces (http://pt.wikipedia.org/wiki/Streptomyces)

São vários os ramos de indústrias que utilizam enzimas de microrganismos para determinadas aplicações: na indústria têxtil as enzimas são capazes de melhorar a qualidade dos tecidos; na indústria de polpa e papel fazem o despolpamento biomecânico e agem no branqueamento do papel; na indústria de alimentos são utilizadas no processo de fermentação para a produção de pão e bebidas como o vinho e a cerveja; participam da extração de substâncias, como carotenóides e óleo de oliva; na indústria de detergentes têm ação de limpeza superior, aumenta o brilho e remove sujeiras; também são utilizadas nas indústrias de cosméticos, de ração animal, na agricultura, entre outras indústrias.

Hoje já um procura por tecnologias ecologicamente corretas no setor de bioenergia. E não se pode deixar de falar sobre enzimas sem antes fazer referência a sua importância na produção do bioetanol. Conhecemos algumas gerações do etanol: 1ª geração – etanol obtido a partir do caldo da matéria-prima; 2ª geração – etanol obtido por meio dos co-produtos agroindustriais; e 3ª geração – microalgas como matéria-prima para obtenção de etanol. Em relação ao bioetanol de 2ª geração, a matéria-prima para a geração de energia pode ser, por exemplo, o bagaço ou palha de cana-de-açúcar, farelo de trigo, milho seco, serragem e outros co-produtos considerados de baixo custo, porém de alto valor energético. Durante o processo de fermentação, as enzimas celulases e hemicelulases, produzidas por fungos (exemplo, Trichoderma reesei geneticamente modificado), interagem com o material lignocelulósico da matéria-prima escolhida, e por fim, liberam os açúcares fermentescíveis. Numa outra etapa, os açúcares obtidos serão fermentados por leveduras (exemplo, Saccharomyces cerevisiae) produzindo, então, etanol e CO2. Esse etanol produzido será utilizado como combustível e é uma fonte de energia sustentável.

bioetanol

Bioetanol. Fonte: http://www.dreamstime.com/royalty-free-stock-photos-man-biofuel-image18835878

No ano de 2014, se iniciou a produção de bioetanol de 2ª geração no Brasil em escala comercial. As usinas celulósicas pioneiras são a GranBio e a Raízen, ambas utilizam o bagaço e a palha da cana-de-açúcar como a principal matéria-prima para a produção do bioetanol. A perspectiva, segundo o diretor do Departamento de Biocombustíveis do BNDES, Artur Yabe, é de que até 2020 o custo da produção de bioetanol seja menor do que o de etanol. E o mesmo ainda diz que os rendimentos com bioetanol serão superiores aos rendimentos com etanol, com a expectativa de o Brasil diminuir a necessidade da importação da gasolina a partir de 2022.

Glossário:

Material lignocelulósico – Parede celular vegetal constituída de celulose, hemicelulose e lignina.

Açúcares fermentescíveis – Açúcares sujeitos à fermentação.

Referências:

JEGANNATHAN, K.R. & NIELSEN, P.H. Environmental assessment of enzyme use in industrial production - a literature review. J. clean. prod. 42, 228-240, 2013.

KIRK, O.; BORCHERT, T.V. & FUGLSANG, C.C. Industrial enzyme applications. Curr. Opin. Biotechnol. 13(4), 345-51, 2002.

KUHAD, R.C.; GUPTA, R. & SINGH, A. Microbial cellulases and their industrial applications. Enzyme Res. Doi:10.4061/2011/280696, 2011.

MADIGAN, M.T.; MARTINKO, J.M.; STAHL, D.A. & CLARK, D.P. Brock Biology of Microorganisms. 13. ed. San Francisco: Benjamin Cummings, 93-94, 2012.

http://www.granbio.com.br/conteudos/biocombustiveis/

http://www.raizen.com.br/energia-do-futuro-tecnologia-em-energia-renovavel/etanol-de-segunda-geracao

http://www.novacana.com/n/etanol/2-geracao-celulose/bndes-custo-producao-etanol-2g-menor-1g-2020-240315/

arena virusFernando Portela Câmara.
Prof. Associado, Chefe do Setor de Epidemiologia, IMPG - UFRJ

Entre 540 e 200 milhões de anos atrás a geografia do nosso planeta era bem diferente. Os diversos continentes de hoje eram um só, tendo a África como centro. Esse Continente Primordial foi denominado Pangea 1, e o único oceano que então existia foi denominado Pantalassa.

Há 175 milhões de anos atrás, no início do Jurássico Médio, Pangea separou-se em dois supercontinentes: Gondwana, formado pelas atuais África, América do Sul, Austrália e Índia, e Laurásia, formado pelas atuais América do Norte, Europa, Ásia e Ártico 1, 2.

O recorte da costa leste do Brasil se encaixava perfeitamente na costa ocidental da África, formando um núcleo tropical. As evidências geológicas e fósseis parece não deixar duvidas 1. Nessa região emergiram os mais terríveis vírus que a humanidade viria conhecer, quando as riquezas das selvas começaram a ser exploradas e as grandes viagens marítimas iniciaram a integração comercial e humana dos atuais continentes. Alguns desses vírus, como o Ebola, só emergiram das selvas na década de 1970 quando o homem, pela primeira vez, invadiu seus antigos ecossistemas. Alguns desses vírus ainda não foram contactados, e alguns deles estão adormecidos no fundo da selva Amazônica.

Após quarenta anos pesquisando e produzindo trabalhos sobre esses agentes cheguei à conclusão de que os vírus considerados os mais perigosos do planeta teriam um fator comum entre eles: teriam se originado, recombinado e evoluído em uma região que identifico à terra primitiva que os geomorfologistas denominaram de Pangea. Estava organizando o dados filogenéticos e geoepidemiológicos para elaborar uma hipótese de trabalho quando me deparei com o monumental trabalho de Gilberto Osório de Andrade (1912-1986), geógrafo e polímata pernambucano, grande estudioso sobre a origem da febre amarela urbana na América do Sul, que em um trabalho propôs a seguinte hipótese para a origem do vírus da febre amarela:

Zoonose talvez mesmo anterior à existência do homem que, em relação aos vetores das grandes endemias e a quase todos os ramos do reino animal, foi um retardatário no globo terrestre e é mais recente do que os seus parasitas. Pelo que cabe plenamente a suposição de que o agente causal da febre amarela, doença animal, participe do estoque de formas vivas comuns à África e à América e anteriores à ruptura da crosta na qual durante o período cretáceo (…) foi se instalando e alargando progressivamente o Atlântico até alcançar a largura que tem hoje (…) A  febre amarela aparece  exclusivamente na África tropical e nas Américas Central e do Sul, embora a área de repartição do A[edes] aegypti abranja também a costa oriental africana, as Índias, as ilhas do Oceano Índico e o Extremo Oriente, uma vez que nos dias atuais o mosquito africano, graças à intensificação sempre maior das comunicações, fez-se endêmico em toda a zona intertropical e mesmo subtropical.

(Note que o conceito de doença emergente e sua globalização já estão presentes nos escritos de Osório de Andrade.)

Denominei esses vírus que teriam evoluído desde Pangea de Panvírus, que compreende o vírus da febre amarela, seu protótipo, os filovírus, arenavírus, e alguns outros ainda em estudos. São vírus muito antigos, que existem muito antes de os dinossauros erguerem suas cabeças e o homem começar a caminhar sobre a terra.

1. Benton, M.J. Vertebrate Palaeontology (Third edition), Oxford: Oxford Univ. Press, 2005.

2. Zeeya Merali, Brian J. Skinner, Visualizing Earth Science, Wiley,Yale Univ., New Haven, Connecticut) , 2009

3. Andrade, GO. Origem da febre amarela urbana na América do Sul, Ciência e Trópico, Recife, jul/dez, 1976; 4(2): 189-202

Por: Olinda Cabral da Silva Santos 

As doenças infecciosas causadas por bactérias, fungos, vírus e parasitas ainda constituem o principal problema de saúde pública. Seu impacto é particularmente maior em países em desenvolvimento, devido à precariedade dos sistemas de saúde, uso indiscriminado de antimicrobianos e emergência de microrganismos multirresistentes.

A resistência aos antimicrobianos é uma preocupação mundial e crescente. O Brasil e os países latino-americanos, em geral, apresentam níveis mais elevados de resistência bacteriana quando comparados com a Europa e os Estados Unidos, principalmente entre cocos Gram-positivos e bacilos Gram-negativos, incluindo os não--fermentadores e as enterobactérias produtoras de β-lactamases de espectro estendido (extended-spectrum β-lactamase – ESBL).

Os produtos naturais constituem uma das principais fontes de novos agentes terapêuticos para várias doenças, incluindo as infecciosas. Somente uma pequena porção da diversidade disponível de fungos, da fauna e flora marinhas, de bactérias e de plantas tem sido explorada, e sugere-se que recursos ilimitados podem ser obtidos através do estudo desses organismos.

antracimicina

Um exemplo promissor desta última assertiva é o novo antibiótico antracimicina (Figura 1), produzido pela estirpe Streptomyces halstedii CNH365, isolada a partir de sedimentos marinhos coletados na costa da Califórnia. A antracimicina é uma substância tricarbocíclica pertencente à classe dos policetídeos, e a sua estrutura química única poderia levar ao desenvolvimento de uma nova classe de antibióticos.

Atualmente, o seu maior risco está associado à utilização dos esporos como arma de guerra biológica e no bioterrorismo. Em 2001, uma semana após o ataque ao World Trade Center, um grupo terrorista bacillus anthracisenviou envelopes contendo esporos de B. anthracis para diferentes localidades dos Estados Unidos. Esta ação resultou em 22 casos de antraz confirmados, incluindo cinco mortes por antraz pulmonar. Dada a gravidade desta doença, aliado ao fato dos esporos poderem ser dispersos na forma de aerossóis, o desenvolvimento de novos agentes antibióticos para o tratamento desta infecção vem se tornando um objetivo prioritário para os Estados Unidos.A antracimicina apresentou potente atividade inibitória contra Bacillus anthracis em uma concentração mínima inibitória (CMI) de 0,031 µg/ml. Este microrganismo é o agente etiológico do carbúnculo hemático, também conhecido como antraz. Normalmente, o antraz afeta mamíferos herbívoros, principalmente bovinos, equinos e caprinos, podendo casualmente contaminar o homem pelo contato com animais ou materiais infectados. De acordo com a via em que os esporos (Figura 2) foram contraídos, a infecção apresenta três diferentes formas de contágio: cutânea (manifestação mais comum), inalatória (letal em 95% dos casos) e gastrointestinal.

A antracimicina também foi capaz de inibir o crescimento de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (methicillin-resistant S. aureus – MRSA), em uma CMI de 0,062 µg/ml. Esta bactéria é responsável por infecções primárias da corrente sanguínea, infecções de pele e tecidos moles e infecções no trato respiratório inferior. Estirpes de MRSA adquiriram prevalência expressiva nas opulações adulta e pediátrica em ambiente hospitalar, sendo encontradas nos hospitais brasileiros com variações entre 30% e 60%.

O clone responsável pela maioria das infecções por MRSA no Brasil, chamado clone epidêmico brasileiro (Brazilian epidemic clone – BEC), apresenta resistência a múltiplas drogas. Clindamicina, sulfametoxazol-trimetoprima, ciprofloxacina e gentamicina são ativos contra MRSA-BEC a uma taxa menor do que 10%, restando como alternativa terapêutica para as infecções graves causadas por estas bactérias o uso dos antibióticos glicopeptídicos (teicoplanina e vancomicina), das estreptograminas (quinupristina/dalfopristina), das oxazolidinonas (linezolida) e dos lipopeptídeos cíclicos (daptomicina).

Além das bactérias anteriormente citadas, a antracimicina também foi capaz de inibir outros patógenos Gram-positivos, tais como Enterococcus faecalis (CMI = 0,125 µg/ml) e Streptococcus pneumoniae (CMI = 0,25 µg/ml). Por outro lado, esta droga se mostrou pouco efetiva contra bactérias Gram-negativas, apresentando CMIs entre > 128 e > 256 µg/ml. A síntese de um análogo da antracimicina, a dicloro-antracimicina, demonstrou que a adição de cloro à estrutura aumentou a habilidade do composto em penetrar na parede celular de bactérias Gram-negativas. A dicloro-antracimicina foi ativa contra Haemophilus influenzae, Burkholderia thailandensis, Escherichia coli e Pseudomonas aeruginosa, com CMIs variando entre 4 e 32 µg/ml.

Embora o mecanismo de ação não tenha sido totalmente elucidado, resultados obtidos a partir de experimentos de marcação metabólica indicaram que a antracimicina atua inibindo a síntese de DNA e de RNA. Além disso, estudos preliminares in vivo demonstraram que esta substância foi capaz de conferir significativa proteção (90% de sobrevivência) em camundongos CD1 infectados com MRSA.

O último antibiótico isolado a partir de fontes naturais foi a daptomicina, em 1986. Este composto, produzido por uma estirpe de Streptomyces roseosporus, pertence à classe dos lipopeptídeos cíclicos e foi aprovado para o tratamento de infecções causadas por bactérias Gram-positivas em 2003.

O estudo apresentado acima foi desenvolvido pelo grupo do Professor William Fenical, do Instituto Scripps de Oceanografia (California, USA), e publicado no periódico científico alemão Angewandte Chemie. O isolamento da antracimicina indica que o ambiente marinho, que representa cerca de metade da diversidade global, constitui uma rica fonte que precisa ser explorada visando o desenvolvimento de novos agentes antimicrobianos para compor o arsenal terapêutico contra microrganismos multirresistentes.

Bibliografia:

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Fauci, A.S. & MORENS, D.M. The perpetual challenge of infectious diseases. N. Engl. J. Med., 366(5), 454-61, 2012.

Jang, K.H., Nam, S.J., Locke, J.B., Kauffman, C.A., Beatty, D.S., Paul, L.A. & Fenical, W. Anthracimycin, a potent anthrax antibiotic from a marine-derived actinomycete. Angew. Chem. Int. Ed., 52, 7822-7824, 2013.

Newman, D.J. & Cragg, G.M. Natural products as sources of new drugs over the 30 years from 1981 to 2010. J. Nat. Prod., 75, 311-335, 2012.

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