Por: Ingrid da Silva Dias
Matéria escrita para a disciplina “Tópicos de Divulgação Cientifica” do programa de pós-graduação em Ciências (Microbiologia) do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
A Microbiologia como conhecemos nos dias atuais só foi possível quando no ano de 1674 o alemão Antony Van Leeuwenhoek criou o primeiro microscópio. Ele usou este pequeno equipamento criado por ele para observar pequenos seres, em amostras de solo, rio, saliva e fezes, dos quais ele nomeou como “animálculos”. Neste mesmo ano Leeuwenhoek, escreveu diversas cartas para a Sociedade real inglesa descrevendo os seres que ele via através de seu pequeno microscópio. Foram essas cartas que deram início a Microbiologia, afinal, foram elas que permitiram que a sociedade tomasse conhecimento da existência de pequenos seres microscópicos.
A descoberta de Leeuwenhoek, fez com que surgisse duas teorias controversas; a teoria da abiogênese (geração espontânea), onde os cientistas que defendiam esta teoria acreditavam que os “animálculos” se originavam da composição de plantas e tecidos de diversos animais. E a teoria da biogênese que era muito defendida pelo cientista francês Louis Pasteur, que através de 2 experimentos conseguiu demonstrar a impossibilidade da geração espontânea. Em seu primeiro experimento ele pegou diversos frascos e encheu com caldo de carne e ferveu, depois deixou os frascos abertos para que esfriassem. Em poucos dias Pasteur observou que os todos os frascos tinham sido contaminados, com micróbios e os frascos que ele manteve fechados, após terem sido fervidos, estavam livres de contaminação. Com tudo isso o Pasteur chegou à conclusão de que os micróbios estavam presentes no ar e eram os responsáveis pela contaminação. No segundo experimento, colocou meio de cultura em frascos com pescoço em forma de S, e ele procedeu da mesma forma que já havia realizado no experimento anterior, ferveu os frascos e os deixou esfriar, depois de meses esperando Pasteur não observou nenhuma forma de vida e Pasteur concluiu que o pescoço em forma S, impedia que qualquer micróbio que estivesse presente no ar entrasse em contato com o meio.
Os experimentos de Pasteur comprovaram que os micróbios não podem surgir de matéria não viva.
Louis Pasteur contribuiu muito com o avanço da Microbiologia, pois, se destacava em diversos trabalhos e criava diversas teorias: Teoria microbiana da fermentação, Pasteur explicou o porquê acontecia a contaminação por álcool durante o processo de fermentação, ele descobriu a presença de diversos micróbios, denominados leveduras, que utilizavam o açúcar presente nas frutas e os convertiam em álcool na ausência de oxigênio. Já na presença do oxigênio o azedamento das bebidas se dá pela presença de micróbios diferentes, que transformam o álcool em ácido acético, vulgarmente conhecido como vinagre. Como forma de solucionar este problema que afligia os comerciantes e produtores de vinhos; Pasteur aqueceu essas bebidas o tempo suficiente para matar esses micróbios, que ocasionavam o problema e este processo recebeu o nome de seu criador Pasteurização.
Após Pasteur ter descoberto o processo de fermentação e quem era o responsável, alguns cientistas alertaram a sociedade, da possibilidade dos micróbios terem relação com doenças que ocorriam em animais e seres humanos e esta teoria foi denominada Teoria microbiana da doença.
A sociedade tinha dificuldade de compreender e entender a teoria microbiana da doença, pois, muitos na época acreditavam que as doenças eram uma forma de Deus os punir contra os seus pecados.
No ano de 1860 surgiu, Joseph Lister um médico inglês nascido ano de 1827, que compartilhava os mesmos pensamentos de Pasteur e acreditava que os micróbios que estavam presentes no ar, eram os responsáveis pelos mais diversos processos infecciosos. Lister, então voltou à sua atenção para a criação de um método de desinfecção do campo operatório e propôs que durante a realização da cirurgia fosse vaporizado ácido fênico, sobre a região que fosse ser realizado o ato cirúrgico. Este método foi realizado pela primeira vez no ano de 1865, durante a operação de um menino que tinha sofrido uma fratura exposta. Após a adoção deste método por diversos profissionais da saúde diminuiu muito o número de mortes por infecção pós-operatória.
Onze anos após a adoção do método de Lister, mas, precisamente no ano de 1876, um médico alemão chamado Robert Koch, finalmente conseguiu relacionar os micróbios com as doenças. Neste mesmo ano surgiu os quatros postulados de Koch: Primeiro postulado, dizia que todos os micróbios deveriam estar presentes em todos doentes; foi o que Koch chamou de interação patógeno-hospedeiro; segundo postulado, os micróbios deveriam ter suas características registradas, sendo isolados em meio de cultura nutritivo, que permitam o seu crescimento (isolamento do patógeno); terceiro postulado, o micróbio isolado, quando inoculados em plantas sadias, devem causar doença nas mesmas (inoculação do patógeno e reprodução dos sintomas) e quarto e último postulado, os micróbios deveriam ser isoladas anteriormente e apresentar as mesmas características já descritas anteriormente (reisolamento do patógeno).
Alexander Fleming, médico e bacteriologista escocês, se preocupava muito com os problemas da Microbiologia e vivia em seu laboratório estudando os trabalhos de outros médicos e tratava graves ferimentos com antisséptico de sua escolha, e observou que o ácido fênico utilizado por Lister, afetavam mais os glóbulos brancos, do que os próprios micróbios. Então Fleming, passou a utilizar salmouras afim de atrair os glóbulos brancos; ele acreditava que as defesas do organismo deveriam receber uma atenção maior e com um experimento realizado, no qual ele cultivou diversos micróbios, afim de se testar diversos antissépticos e seus modos de ação. Em um dos seus experimentos realizado no ano de 1928, mais precisamente com Estafilococos, percebeu que uma de suas placas havia crescido um fungo e que em volta deste fungo o micróbio não crescia. Fleming decidiu estudar um pouco mais esse fungo e ao examiná-lo cuidadosamente, conseguiu descrevê-lo e distingui-lo como Penicilium, e observou que o fungo produzia uma substância e que esta poderia ser tratada, isolada e filtrada e que detinha o crescimento de diversos micróbios nas placas.Fleming reproduziu o experimento diversas vezes e observou que a substância produzida pelo fungo era capaz de inibir o crescimento de micróbios que causavam doenças, e por esta substância ter sido isolada do fungo Penicilium, recebeu o nome de Penicilina.
A Microbiologia é uma ciência, que tem uma grande importância se a considerarmos como ciência aplicada e podemos destacar a sua participação em diversos processos industriais, produção de alimentos, controle de pragas, controle de qualidade de alimentos, produção de antibióticos, hormônios, enzimas, e despoluição entre outras aplicações
Bibliografia Utilizada:
Fonte:http://www.infoescola.com/biografias/alexander-fleming/ file:///E:/Material%20para%20a%20mat%E9ria%20do%20portal%20da%20micro/Biblioteca%20Virtual%20Adolpho%20Lutz.html
http://educacao.uol.com.br/biografias/joseph-lister.jhtm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Postulados_de_Koch
Jornal Brasileiro de Patologia Médica Laboratorial- Antony Van Leeuwenhoek-Inventor do Microscópio, volume 45, n.2,2009.
Jornal Brasileiro de Patologia Médica Laboratorial-Alexander Fleming e a descoberta da penicilina,volume45,n.5,2009.
http://www.portaleducacao.com.br/farmacia/artigos/16899/importancia-da-Microbiologia
Por Marinella Silva Laport
Professora do Instituto de Microbiologia, Departamento de Microbiologia Médica, Laboratório de Bacteriologia Molecular e Marinha
Os oceanos cobrem mais do que 70% da superfície da Terra e são considerados uma grande reserva de recursos naturais. Entretanto, a extensa biodiversidade marinha, especialmente dos microrganismos, é ainda é muito pouco conhecida. Tem-se estimado que a diversidade biológica em ecossistemas marinhos seja maior do que nas florestas tropicais.
Os invertebrados marinhos, como as esponjas (Filo Porifera), representam um importante alvo para o estudo de interações simbióticas. As esponjas são organismos bentônicos sésseis e filtradores, de morfologia e fisiologia simples e estão entre os mais antigos animais multicelulares (Metazoa). São extremamente eficientes na obtenção de alimentos a partir da água circundante. Elas habitam uma grande variedade de sistemas marinhos e de água doce (um pouco mais restrito) e são encontradas em todas as regiões tropicais, temperadas e polares. Atualmente, há cerca de 8.686 espécies de esponjas válidas em todo mundo, destas, 515 espécies tem sido identificadas no Brasil. Mas ainda há muito para ser descrito.
As esponjas marinhas tem sido o foco de interesse de muitos estudos, devido a dois fatores principais (e muitas vezes inter-relacionados): (i) elas formam associações com uma grande variedade de microrganismos e (ii) são uma rica fonte de metabólitos secundários biologicamente ativos.
A relação simbiôntica entre o invertebrado marinho e a sua microbiota, dificulta a cultura dessas bactérias na ausência do hospedeiro. De fato, estima-se que apenas 1% dos microrganismos seja cultivável, no contexto de ecossistemas naturais. Entretanto, a cultura bacteriana revela-se essencial para a pesquisa de novos compostos bioativos já que as bactérias produzem, de modo rápido, grande quantidade de biomassa e, consequentemente, de metabólitos secundários biologicamente ativos, sem necessitar coletar ou cultivar a esponja. Além disso, a cultura pura de bactérias isoladas se faz essencial para os estudos de entendimento sobre sua interação ecológica. A falta de culturas puras para a maioria dos microrganismos associados aos invertebrados contribuiu para uma escassez de conhecimentos sobre suas características fisiológicas.
O nosso grupo tem se dedicado ao estudo das associações entre esponjas e bactérias, principalmente na pesquisa de novas substâncias antimicrobianas contra microrganismos de importância médica. Recentemente, identificamos o sulfato de halistanol como uma das substâncias com excelente ação antibacteriana isolada da esponja Petromica citrina. Este foi o primeiro estudo do tema nesta espécie e que é encontrada, até o momento, apenas no litoral brasileiro.
Como muitas vezes as bactérias associadas as esponjas produzem metabólitos bioativos para a sua sobrevivência no hospedeiro, assim como, muitos hospedeiros são dependentes desta microbiota, desde 2006, o nosso grupo isolou e caracterizou cerca de 2.500 estirpes bacterianas de esponjas do litoral brasileiro e francês. Cerca de 15% destas apresentam alguma atividade antimicrobiana contra bactérias de importância médica.
Além da produção de antimicrobianos, também caracterizamos bactérias isoladas de esponjas produtoras de outros compostos com potencial biotecnológico, como o caso de biosurfactantes, enzimas, moléculas sinalizadoras de quorum sensing e relacionadas com a formação de biofilmes marinhos.
Muito pouco é conhecido sobre a comunicação, ou sinalização química, entre invertebrados marinhos e os microrganismos associados. Provavelmente, muitos dos metabólitos secundários produzidos pelas esponjas, por exemplo, poderiam facilitar a seleção a favor ou contra determinados tipos de microrganismos. Bactérias capazes de produzir moléculas sinalizadoras de quorum sensing (AHLs) já foram isoladas de esponjas marinhas, assim como outras moléculas sinalizadoras putativas, como as dicetopiperazinas (DKPs). Assim, substâncias pertencentes à classe das dicetopiperazinas foram isoladas de estirpes de Pseudomonas spp.associadas a esponja Haliclona vansoesti coletada no Rio de Janeiro. Provavelmente, estas substâncias, que também apresentam excelente atividade antibacteriana, estejam relacionadas com a sinalização química no hologenoma desta esponja.
As bactérias marinhas formadoras de biofilme e/ou produtoras de biosusfactantes também podem atuar como bioindicadoras em processos de biorremediação em ambientes contaminados com óleo e metais pesados. Em um estudo com 100 estirpes isoladas de esponjas marinhas do litoral do Rio de Janeiro, observamos que 71% destas foram capazes de produzir biofilme. Além disso, o perfil de resistência às formas orgânicas e inorgânicas do mercúrio (Hg) também foi verificado. Vinte e uma estirpes demonstraram ser resistentes ao Hg, dentre as quais, 15 foram classificadas como altamente resistentes, em virtude do seu crescimento na presença de 100 mM de HgCl2. Quinze das 21 estirpes resistentes foram capazes de reduzir Hg2+ a Hg0 e apresentaram o gene merA em seus genomas. Quatro das 6 estirpes restantes demonstraram produzir biossurfactantes, sugerindo a tolerância ao Hg pelo sequestro desse metal. Onze estirpes cresceram em presença de metilmercúrio (MeHg), duas em meio contendo 2,5 µM de MeHg, quatro com 10 µM, e cinco com 20 µM.
Enfim, ainda há uma grande lacuna a ser preenchida nas pesquisas no que dizem respeito a exploração sustentável das potenciais aplicações biotecnológicas das esponjas marinhas e de sua microbiota associada (Figura 1).
Figura 1: Exemplos de potenciais aplicações biotecnológicas de bactérias associadas a esponjas marinhas: (a) Desenvolvimento de novas substâncias antimicrobianas para o tratamento de infecções bacterianas; (b) Produção de enzimas, como por exemplo a urease. Esta é uma importante característica ecológica de alguns endosimbiontes de esponjas que contribuem para o ciclo do nitrogênio, graças a capacidade de produzir a urease que converte uréia em amônia; (c) Indicadores biológicos e biorremediação: as bactérias associadas as esponjas são bioindicadoras ideais, especialmente no monitoramento da poluição marinha causada por metais pesados, onde muitas apresentam elevados perfis de resistência ao mercúrio, chumbo e/ou cádmio. E ainda, como consequência deste fenótipo de resistência, estas bactérias podem ser usadas nos processos de biorremediação graças a sua capacidade em converter os metais pesados em elementos atóxicos, como por exemplo, redução de Hg+2 em Hg0; (d) Muitas bactérias marinhas produzem biofilmes e estes tem sido utilizados em processos de remediação de águas residuais; (e) Produção de biosurfactantes, onde estes compostos tem apresentado excelentes resultados em experimentos de recuperação de águas contaminas por óleos e/ou metais pesados.
Referências:
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Por Felipe Soares
Matéria escrita para a disciplina “Tópicos de Divulgação Cientifica” do programa de pós-graduação em Ciências (microbiologia) do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes
Países em desenvolvimento, como o Brasil, muitas vezes são palco de doenças relacionadas à carência de infraestrutura e de um sistema de saúde eficaz. Essas enfermidades são conhecidas como doenças negligenciadas. Tais doenças apresentam em comum o fato de serem causadas por parasitos, que são organismos que sobrevivem em hospedeiros, retirando deles meios para sua sobrevivência. Apesar de responsáveis por 12% da quantidade global de doenças, a atenção voltada a essas doenças por parte da indústria farmacêutica com a produção de fármacos voltados ao tratamento destas totalizam 0,01%. No Brasil, a situação é delicada, pois concentra a maioria dos casos de algumas dessas doenças negligenciadas.
A doença de Chagas, considerada uma doença negligenciada, é causada pelo protozoário parasita Trypanosoma cruzi. É comum alguns pacientes chagásicos desenvolverem problemas cardíacos e no esôfago. A principal forma de transmissão é feita por insetos triatomíneos, conhecidos como barbeiros, que se alimentam de sangue humano ou de outros animais. Durante sua alimentação, este inseto libera dejetos fecais contendo vários parasitos, que podem atravessar a pele através da lesão da picada ou de outras lesões. A principal forma de contenção da doença é feita a partir do controle do inseto transmissor. No ano de 2006, o Brasil ganhou a certificação internacional de erradicação da transmissão da doença de Chagas pelo barbeiro da espécie Triatoma infestans, considerado o principal transmissor no país. Apesar do êxito, outras espécies de barbeiros continuam transmitindo a doença. Além disso, outras maneiras de contágio que não envolve diretamente o vetor são responsáveis pelo surgimento de novos casos nos últimos dez anos, como por exemplo, o contágio por transfusão sanguínea, transplante de órgãos, via neonatal ou oral.
A transmissão oral, ao longo dos últimos quinze anos, foi responsável pelo aparecimento de diversos surtos da doença de Chagas no Brasil. Ela é resultado da ingestão de alimentos contaminados com material fecal dos barbeiros contendo os parasitos, ou menos ocasionalmente, pelo contato oral com secreções da glândula de cheiro de gambás (Figura 1), que concentram um número considerável de parasitos infecciosos. Outras possíveis situações são a contaminação dos utensílios usados na preparação de alimentos, que se armazenados de forma incorreta, podem ficar expostos aos próprios barbeiros ou a baratas e moscas que entraram em contato previamente com fezes de barbeiros contaminados. O consumo de sangue de mamíferos por algumas tribos indígenas da Amazônia também pode ser um alvo de contaminação.
Figura 1: Representação esquemática da transmissão oral que envolve a ingestão de alimentos contendo fezes de barbeiros infectados.
Fonte: Guia para vigilância, prevenção, controle e manejo clínico da doença de chagas aguda transmitida por alimentos. PAHO, 2009.
No ano de 2006, a forma de contaminação por via oral foi classificada como potencial risco para a Saúde Pública no Brasil. Neste mesmo ano, houve a confirmação de 115 casos da doença de Chagas nas regiões Norte e Nordeste, sendo 94 casos por via oral. A maioria dos casos foi por ingestão de açaí contaminado, um alimento essencial na dieta da população da Região Norte (Figura 2).
Figura 2: Açaí, principal causa das infecções orais no norte do Brasil.
Fonte: http://querosaude.com.br/beneficios-acai-voce-sabe-quais-sao/
Registraram-se, também neste período, surtos pela ingestão de Bacaba e de cana-de-açúcar. No ano seguinte, a situação foi semelhante, como mostra o quadro a seguir.
Apesar da maioria dos casos recentes, notificados no país, serem de responsabilidade do consumo do suco de açaí fresco, outros vegetais, como a cana-de açúcar, podem ser processados juntamente a barbeiros contaminados. Em 2005 foi relatado um surto de doença de Chagas no estado de Santa Catarina, relacionado ao consumo de caldo de cana. Além dos vegetais, carne crua, sangue de mamíferos e leite cru podem apresentar riscos de contaminação. Infelizmente, nos dias de hoje a situação não melhorou. Regularmente acontecem surtos em locais isolados, sempre apontando o açaí como principal veículo de contaminação. Em 2014 houve surtos no norte do Tocantins e no começo de 2015, em algumas cidades do Amazonas.
Algumas recomendações precisam ser seguidas por países que apresentam transmissão oral de doença de Chagas, como por exemplo, que a doença seja incluída no grupo das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA) pelos órgãos nacionais encarregados da inocuidade de alimentos nos países endêmicos, e que os mesmos fomentem suas estratégias de prevenção e controle. À comunidade científica compete fomentar investigação básica sobre tema, para o desenvolvimento de conhecimento sobre transmissão oral de T. cruzi, que propicie a sua melhor interpretação epidemiológica e direcionamento das ações de prevenção e controle.
Bibliografia
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Organização Pan Americana da Saúde. (2009). Guia para vigilância, prevenção, controle e manejo clínico da Doença de Chagas aguda transmitida por alimentos.
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RECOMENDAÇÕES, C. E. (2006). Consulta técnica em epidemiologia, prevenção e manejo da transmissão da doença de Chagas como doença transmitida por alimentos.
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http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/noticias/gd240305c.htm