Por Kátia Regina Netto dos Santos
Staphylococcus lugdunensis é uma espécie de Staphylococcus coagulase-negativa (SCN) raramente isolada de infecções humanas, porém pode apresentar um potencial agressor, similar ao de S. aureus, pela presença de fatores de virulência em comum. Essemicrorganismo tem grande habilidade de estabelecer infecção primária, visto que é encontrado praticamente em toda superfície do corpo humano. Sua primeira descrição foi em 1988, na cidade de Lyon, na França, por Freney e colaboradores, e a palavra Lugdunum refere-se a antiga denominação desta cidade.
Seus baixos percentuais de isolamento podem estar ligados ao fato de compartilhar semelhanças fenotípicas com S. aureus, já que muitos laboratórios de microbiologia utilizam apenas a identificação rápida em lâmina com plasma para detectar o fator “clumping”, no passado denominado de coagulase ligada, em que ambas as espécies são positivas. Inclusive, essa espécie pode carrear o cassete mec de resistência a meticilina, fato frequentemente observado em S. aureus, tornando ainda mais difícil a diferenciação, como verificamos recentemente em um caso de bacteremia causado pelo patógeno em um hospital do Rio de Janeiro (Pereira et al., 2011). Contudo, a detecção de S. lugdunensis por uma PCR, recentemente desenvolvida em nosso laboratório e baseada no gene fbl, que codifica uma proteína que se liga ao fibrinogênio e coagula o plasma (fator “clumping”) pode ser uma ferramenta auxiliar na identificação de amostras clínicas (Pereira et al., 2010).
Comparado a outros SCN, as infecções por S. lugdunensis podem ser muito graves. Essa espécie pode causar abscessos cerebrais associados a meningites, sepse, osteomielite e endocardites, dentre outras. Endocardites severas podem levar o paciente ao óbito em até 50% dos casos. Alguns fatores de invasão como esterases, proteases e lipases podem ser produzidos por cepas de S. lugdunensis. Uma hemolisina fenotipicamente similar a d-hemolisina de S. aureus e denominada SLUSH (“Staphylococcus lugdunensis synergistic haemolysin”) age sinergicamente com a b-hemolisina, produzindo uma hemólise completa em agar-sangue.
Quanto à produção de biofilme, em estudo recente desenvolvido por nosso grupo, verificamos em um grupo de amostras de S. lugdunensis a presença dos genes slush e ica (Pereira et al., 2012). Este último codifica a produção de biofilme, considerado como forte estimulador da síntese de prostaglandinas E2, que por sua vez inibem a proliferação de células T. Ainda nesse estudo a maioria das cepas de uma mesma linhagem de PFGE produziu biofilme, cuja composição foi demonstrada como protéica. Um dado despertou o interesse da comunidade científica, onde apenas amostras que se apresentaram como colônias rugosas foram capazes de aderir e invadir células epiteliais de pulmão. Essas mesmas amostras também produziram uma substância tipo surfactante que possivelmente lhes forneceu esta aparência colonial típica e pode estar associada ao potencial de adesão/invasão celular de amostras de S. lugdunensis. Fotografias de colônias lisas e rugosas de S. lugdunensis analisadas em nosso estudo serão utilizadas para ilustrar a capa da edição de Maio 2012, Vol 61 da revista Journal of Medical Microbiology.
Pereira et al., 2010, FEMS Immunol. Med. Microbiol. vol 58
Pereira et al., 2011, Braz. J. Infect. Dis. vol. 15
Pereira et al., 2012, J. Med Microbiol. vol 61
Por Marcio L. Rodrigues - Prof. Associado, Instituto de Microbiologia da UFRJ
A incidência das infecções humanas causadas por fungos aumentou em mais de 200% nas duas últimas décadas. Dada a similaridade entre as estruturas celulares observadas em fungos e humanos, a terapia antifúngica é frequentemente associada a efeitos colaterais expressivos e baixa eficiência. Nesse contexto de alta complexidade, as taxas de morbidade e mortalidade em pacientes infectados por fungos patogênicos são consideradas como altas. Por exemplo, estimativas recentes mostram que cerca de um milhão de indivíduos por ano no planeta desenvolvem quadros de meningite causados por espécies do gênero Cryptococcus. A taxa de mortalidade nesses pacientes gira em torno de 65% em até três meses após a infecção. Na África, estima-se atualmente que morram mais pessoas acometidas de criptococose cerebral do que de tuberculose, por exemplo. [1]
Os estudos na área de Micologia Médica no Brasil mostram grande consistência científica há várias décadas. Entretanto, por muitos anos, permaneceu muito reduzido o número de grupos na área distribuídos por nossas Instituições de Ensino e Pesquisa. O crescimento global da importância das infecções causadas por fungos mudou radicalmente esse quadro. Esse novo quadro resultou num claro aumento da geração de conhecimento científico na área de Micologia Médica no Brasil, conforme ilustrado a seguir.
Em estudo recentemente desenvolvido em nosso laboratório por Priscila C. Albuquerque, estudante de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Instituto de Microbiologia da UFRJ, o crescimento da contribuição científica de Instituições brasileiras para a área de Micologia Médica foi claramente evidenciado. Usando como modelo as espécies patogênicas pertencentes ao gêneroCryptococcus, foi demonstrado que o Brasil saltou de uma contribuição limitada a 1% dos artigos científicos publicados no mundo em 1991 para cerca de 20% em 2010 [2]. Esses números colocam o país na segunda posição internacional no ranking de geração de conhecimento científico na área, atrás apenas dos Estados Unidos da América. O fato de que, na área Biomédica, o país é atualmente responsável por cerca de 2% das publicações científicas [3] torna clara a relevância da produção brasileira nessa subárea da Micologia Médica. Em áreas de aspectos científicos gerais como Bioquímica, Genética, Biologia Molecular, Medicina, Imunologia e Microbiologia, o Brasil tem produção científica internacional posicionada entre o 12º e 14º lugares [2], confirmando a posição prestigiada do país no campo de Cryptococcus e criptococose.
Embora o volume de conhecimento gerado por autores brasileiros na área tenha aumentado consideravelmente, esse ainda não é o perfil observado para o impacto de nossas descobertas. Nossos artigos científicos são menos frequentemente citados do que as publicações produzidas pela maioria dos países líderes na área [2]. A média de fator de impacto dos periódicos científicos onde nossos artigos são publicados é também consideravelmente inferior à observada para os artigos produzidos nos Estados Unidos, líderes na área [2]. Torna- se estimulante, portanto, procurar sedimentar a posição do país entre os líderes na área, enfrentando o desafio de buscar cada vez mais qualidade para o conhecimento científico gerado em nossas instituições.
Referências citadas:
1. Park BJ, Wannemuehler KA, Marston BJ, Govender N, Pappas PG, et al. (2009) Estimation of the current global burden of cryptococcal meningitis among persons living with HIV/ AIDS. AIDS 23: 525-530.
2. Albuquerque PC, Rodrigues ML (2012) Research trends on pathogenic Cryptococcus species in the last 20 years: a global analysis with focus on Brazil. Future Microbiology 7: 319- 329.
3. Editorial (2011) Biomedicine in Brazil. Nat Med 17: 1169-1169.
Por Selma Soares de Oliveira
O mundo enfrenta atualmente vários problemas em relação a nutrição. Vários países, incluindo a África e algumas regiões do Brasil tentam resolver de alguma maneira a questão da fome através do aumento da produção de alimentos. Alguns grupos defendem a utilização de alimentos transgênicos, mais resistentes a pragas agrícolas e, portanto, mais fáceis para o cultivo de produção de alimentos, como uma das soluções para a fome no mundo. Existem ainda vários itens a serem considerados e comissões foram criadas para avaliar o uso de cada transgênico. Na agricultura tradicional, por sua vez, o uso de agroquímicos em altas concentrações tornou-se uma rotina bastante comum.
Porém, como resultado do mundo globalizado em que vivemos atualmente e da difusão de mais informações sobre os riscos à saúde, cresce hoje no mundo a busca por alimentos mais saudáveis, resultando numa procura por produtos orgânicos, buscando aproveitar vitaminas, sais e outros nutrientes através da ingestão de alimentos crus e minimamente processados.
Contudo, a comunidade científica e a sociedade vêm sendo surpreendida por relatos de surtos doenças de origem alimentar em diferentes regiões do mundo, especialmente na Europa, envolvendo vegetais, e muitas vezes têm sido surpreendida por bactérias anteriormente consideradas não patogênicas, que surgem com alto poder agressivo, podendo provocar lesões sérias e até a morte.
No Brasil, recentemente, o açaí foi implicado na transmissão de doença de Chagas, doença transmitida pelo protozoário Trypanosoma cruzi , como já aconteceu anteriormente em relação à cana-de açúcar, levando a uma discussão no meio científico em relação à forma de transmissão desta doença. Em ambos os casos haveria contaminação com fezes do inseto, conhecido como “Barbeiro” que teriam entrado em contato com a planta na sua fase de cultivo ou de armazenamento. Estes eventos, aliados aos recentes surtos de contaminação bacteriana veiculada por alimentos vegetais, evidenciam que é necessário maior atenção na forma da produção e armazenamento de alimetentos vegetais.
Uma cepa de E. coli que contaminou vegetais na Europa em 2011 foi causa de surtos de infecção envolvendo complicações de uma síndrome urêmica hemolítica. Esta bactéria apresentava mutações em relação às estirpes previamente descritas. Estirpes de E. coli do mesmo sorotipo seriam encontradas em bovinos e ovinos de forma assintomática. A fonte de contaminação, provavelmente, estaria relacionada com a fonte de irrigação daqueles vegetais.
Um aspecto importante a considerar é que, com o aumento da produção de vegetais orgânicos, normas e procedimentos de boas práticas agrícolas precisam ser observados de forma que cada manipulador do alimento, desde o campo até a mesa, seja treinado e observe estas normas, para evitar ou minimizar os riscos de contaminação. Por exemplo: que tipo de adubo vem sendo utilizado na produção destes alimentos? Qual a sua origem? Que tipo de tratamento recebe antes de sua utilização? Qual a fonte de água utilizada na irrigação? Qual o tratamento que estes vegetais recebem após a colheita? Onde e como são armazenados?
Falhas nas Boas Práticas agrícolas, aliadas à presença eventual de uma bactéria altamente contaminante no adubo, por exemplo- ou mesmo pela falta de cuidado adequado porparte dos agricultores podem ter conseqüências sérias no aparecimento de novos surtos de doenças de origem alimentar. É preciso, portanto, ampliar e divulgar as pesquisas na área de genética da virulência bacteriana. Paralelamente, é preciso incentivar a ampliação do uso de Boas Práticas Agrícolas nas fazendas produtoras de alimentos vegetais, através de treinamentos dos produtores agrícolas. É também necessário conscientizar o consumidor para que ele não consuma nenhum alimento cru sem a higienização adequada, evitando assim a formação de uma cadeia de transmissão e evitando o aparecimento de novos surtos.
ANVISA: http://www.anvisa.gov.br/alimentos/bpf.htm
Manual de Boas Práticas para Agricultura Familiar - EMBRAPA: http://www.sa.df.gov.br/sites/100/148/00002062.pdf