Pesquisas desenvolvem alimentos com microorganismos vivos que possam ser consumidos por alérgicos a leite e seus derivados
Vivemos um período de intensa preocupação com o corpo, com o bem-estar e a saúde. A alimentação saudável ganhou mais espaço no cotidiano do brasileiro e a busca por alimentos com propriedades funcionais cresce a cada dia. Nesse contexto, a dieta probióticaganhou destaque nos últimos anos e reúne cada vez mais adeptos pelos benefícios que pode promover à saúde. Os alimentos probióticos são aqueles que contêm microrganismos vivos e, ao serem ingeridos, ajudam na absorção dos nutrientes.
Além de proteger o intestino da presença de microrganismos indesejáveis, que poderiam trazer doenças como gastroenterites, os probióticos também aumentam a atividade imunológica, ajudam na biodisponibilidade de alguns nutrientes, podem reduzir as chances de câncer intestinal, produzem vitaminas B e K, reduzem o colesterol e previnem doenças cardíacas.
Entre os alimentos probióticos mais comuns, os lácteos, como iogurtes e leite fermentado, dominam o mercado. No entanto, esses produtos não atendem a toda a população, já que muitas pessoas têm restrição ao consumo de lacticínios. Estima-se que a intolerância à lactose acometa 75% da população mundial e 25% dos brasileiros, enquanto a alergia ao leite ocorre em 1,9% a 7,5% da população brasileira, principalmente em crianças. Para que esse grupo de pessoas possa consumir alimentos probióticos, o desenvolvimento de produtos não-lácteos se mostra fundamental.
Os projetos relacionados aos alimentos probióticos estão crescendo tanto na área de pesquisa – para busca de novas informações sobre o assunto –, quanto na área de desenvolvimento de novos produtos. Pesquisas recentes sobre o tema mostram que alguns microrganismos probióticos são capazes de prevenir a formação de toxinas ou remover toxinas de origem fúngica e metais pesados de alimentos “in natura” ou no trato intestinal. Esta atividade se soma a vários outros benefícios já conhecidos e cientificamente comprovados em relação a estes microrganismos.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) está sendo desenvolvida uma pesquisa neste sentido. A difusão de novos hábitos culturais e alimentares por meio da culinária oriental – caracterizada por peixes e derivados crus altamente manipulados – inspirou o trabalho da nutricionista Renata Rangel Guimarães, orientada por mim no Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Instituto de Microbiologia da universidade.
A pesquisa desenvolveu uma “ova de peixe” probiótica, semelhante à de salmão. Esta “ova” é composta por um polissacarídeo e contêm bactérias probióticas como Lactobacillus rhamnosus GG, que auxilia na digestão e protege o intestino, ou Bifidobacterium animalis, que fortalece o sistema imune e combate doenças inflamatórias crônicas do intestino. O produto representa uma alternativa para que pessoas com intolerância à lactose e alergia às proteínas tenham a oportunidade de consumir microrganismos probióticos.
Os pesquisadores acreditam que as ovas desenvolvidas possam ser consumidas juntamente com as ovas naturais. Um dos cuidados no preparo de pratos orientais é a manipulação correta dos alimentos para que não haja risco de transmissão de doenças comogastroenterite e as “ovas” probióticas ajudariam a proteger o consumidor de doenças como esta. Outros benefícios são a prevenção ou melhora da constipação intestinal e a produção de vitaminas pelas bactérias probióticas. A pesquisa, que já foi submetida a teste sensorial com consumidores, entra agora em fase de adequação para possível produção industrial e comercialização.
Ainda no esforço de garantir a produção segura de alimentos, outro projeto de pesquisa do Laboratório de Microbiologia de Alimentos do Instituto de Microbiologia da UFRJ desenvolve um projeto de capacitação de manipuladores de alimentos (CAPADEM). O projeto, que tem e teve a participação de estudantes de diversos cursos, visa capacitar todos os manipuladores de quiosques e lanchonetes da Ilha do Fundão e, em uma fase posterior, capacitar pessoas da comunidade para que propaguem a ideia e os conceitos de produção segura de alimentos.
Estudos como estes são fundamentais para a garantia de uma alimentação mais nutritiva e segura para a população. Daí a importância de o Prêmio Jovem Cientista ter abordado o tema“Segurança Alimentar e Nutricional” este ano, incentivando e premiando pesquisas com esse propósito.
*Marco Antônio Lemos Miguel é biólogo pela Universidade Gama Filho com doutorado em Ciências de Alimentos (UFRJ), coordena o laboratório de Microbiologia de Alimentos do Instituto de Microbiologia da UFRJ, é membro da Comissão de Biossegurança do Centro de Ciências da Saúde da UFRJ e da Direção da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos (RJ).
Fonte: Época
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) publicou nesta quinta-feira, 20, o resultado do edital da cátedra em parceria com e o Polo de Pesquisa e de Ensino Superior Sorbonne Universités, da França que selecionou notável pesquisador/professor sênior do Brasil, especialista em qualquer disciplina ou área acadêmica, para lecionar e pesquisar na Sorbonne Universités. Marcelo Torres Bozza, pesquisador do departamento de imunologia do Instituo de Microbiologia Paulo de Góes, foi um dos pesquisadores do Brasil agraciado com a Cátedra Sorbonne pela CAPES na área de Ciências Biológicas II para pesquisar e lecionar no “ Museum National d'Historie Naturelle”
Fernando Portela Câmara.
Prof. Associado, Chefe do Setor de Epidemiologia, IMPG - UFRJ
Entre 540 e 200 milhões de anos atrás a geografia do nosso planeta era bem diferente. Os diversos continentes de hoje eram um só, tendo a África como centro. Esse Continente Primordial foi denominado Pangea 1, e o único oceano que então existia foi denominado Pantalassa.
Há 175 milhões de anos atrás, no início do Jurássico Médio, Pangea separou-se em dois supercontinentes: Gondwana, formado pelas atuais África, América do Sul, Austrália e Índia, e Laurásia, formado pelas atuais América do Norte, Europa, Ásia e Ártico 1, 2.
O recorte da costa leste do Brasil se encaixava perfeitamente na costa ocidental da África, formando um núcleo tropical. As evidências geológicas e fósseis parece não deixar duvidas 1. Nessa região emergiram os mais terríveis vírus que a humanidade viria conhecer, quando as riquezas das selvas começaram a ser exploradas e as grandes viagens marítimas iniciaram a integração comercial e humana dos atuais continentes. Alguns desses vírus, como o Ebola, só emergiram das selvas na década de 1970 quando o homem, pela primeira vez, invadiu seus antigos ecossistemas. Alguns desses vírus ainda não foram contactados, e alguns deles estão adormecidos no fundo da selva Amazônica.
Após quarenta anos pesquisando e produzindo trabalhos sobre esses agentes cheguei à conclusão de que os vírus considerados os mais perigosos do planeta teriam um fator comum entre eles: teriam se originado, recombinado e evoluído em uma região que identifico à terra primitiva que os geomorfologistas denominaram de Pangea. Estava organizando o dados filogenéticos e geoepidemiológicos para elaborar uma hipótese de trabalho quando me deparei com o monumental trabalho de Gilberto Osório de Andrade (1912-1986), geógrafo e polímata pernambucano, grande estudioso sobre a origem da febre amarela urbana na América do Sul, que em um trabalho propôs a seguinte hipótese para a origem do vírus da febre amarela:
Zoonose talvez mesmo anterior à existência do homem que, em relação aos vetores das grandes endemias e a quase todos os ramos do reino animal, foi um retardatário no globo terrestre e é mais recente do que os seus parasitas. Pelo que cabe plenamente a suposição de que o agente causal da febre amarela, doença animal, participe do estoque de formas vivas comuns à África e à América e anteriores à ruptura da crosta na qual durante o período cretáceo (…) foi se instalando e alargando progressivamente o Atlântico até alcançar a largura que tem hoje (…) A febre amarela aparece exclusivamente na África tropical e nas Américas Central e do Sul, embora a área de repartição do A[edes] aegypti abranja também a costa oriental africana, as Índias, as ilhas do Oceano Índico e o Extremo Oriente, uma vez que nos dias atuais o mosquito africano, graças à intensificação sempre maior das comunicações, fez-se endêmico em toda a zona intertropical e mesmo subtropical.
(Note que o conceito de doença emergente e sua globalização já estão presentes nos escritos de Osório de Andrade.)
Denominei esses vírus que teriam evoluído desde Pangea de Panvírus, que compreende o vírus da febre amarela, seu protótipo, os filovírus, arenavírus, e alguns outros ainda em estudos. São vírus muito antigos, que existem muito antes de os dinossauros erguerem suas cabeças e o homem começar a caminhar sobre a terra.
1. Benton, M.J. Vertebrate Palaeontology (Third edition), Oxford: Oxford Univ. Press, 2005.
2. Zeeya Merali, Brian J. Skinner, Visualizing Earth Science, Wiley,Yale Univ., New Haven, Connecticut) , 2009
3. Andrade, GO. Origem da febre amarela urbana na América do Sul, Ciência e Trópico, Recife, jul/dez, 1976; 4(2): 189-202