Por Alane Beatriz Vermelho
Na última edição do periódico “Nature reviews Microbiology”, foi publicada uma interessante revisão sobre a relação entre o metabolismo dos carboidratos com os micro-organismos da microbiota intestinal. Glicanas e polissacarídeos provenientes de alimentos vegetais (amido, hemicelulose e pectina), cartilagem e tecidos animais (glicosmanoglicanas e N- glicanas) e o muco (glicanas O- Ligadas) trazem uma enorme variedade de moléculas para o ambiente dos micro-organismos intestinais. Como exemplo, podemos citar a glicoproteína mucina do muco, que pode ter centenas de diferentes estruturas ligadas a glicoproteína.
A microbiota que se estabelece no intestino após o nascimento tem um efeito profundo na saúde e fisiologia humana, beneficiando a modulação do desenvolvimento imunológico, auxiliando na digestão de nutrientes, sintetizando vitaminas e inibindo a colonização de patógenos. Anormalidades nessa microbiota, denomiada de disbiose, pode levar a sérios problemas como doenças inflamatórias intestinais, câncer de colon, colite associada a antibiótico e obesidade. A disbiose é caracterizada por um desequilíbrio nos micro-organismos intestinais que causa uma proliferação de outros que são prejudiciais a saúde. Pode ocasionar também um aumento do fluxo de vias metabólicas prejudiciais.
Esse tema tem sido alvo de intensos estudos nos últimos anos e hoje se sabe que um dos fatores principais que regulam a composição e fisiologia dessa microbiota no intestino são os carboidratos presentes no intestino e provenientes da dieta ou do muco intestinal. Nesse panorama, se observa a diversidade de preferência por determinado carboidratos entre os micro-organismos residentes. Muitas dessas glicanas e polissacarídeos não podem ser hidrolisados pelas enzimas codificadas pelo genoma humano e, desse modo, a fermentação microbiana tem um papel fundamental na transformação dessas glicanas não digeríveis em ácidos graxos de cadeia curta (SCFAs) como, por exemplo, os ácidos propriônico, acético e butírico. Esses ácidos servem como nutrientes para os colonócitos e outras células epiteliais do intestino.
No início da colonização da microbiota, os carboidratos disponíveis são provenientes do leite materno cujos componentes primários são a lactose, glactose, N-acetilglicosamina, fucose, acido siálico e uma mistura de oligossacarídeos complexos (HMOs). Esses oligossacarídeos são glicanas com grande diversidade compostas de lactose com ramificações ou N- acetil lactosmamina, com ácidos siálicos e fucose em suas cadeias. A microbiota nascente tem basicamente 4 filos de micro-organimos: Bacteroidetes, Proteobacteria, Firmicutes e Actinobacteria. Em crianças alimentadas exclusivamente com o leite materno, predominam os gêneros Lactobacillus spp. e Bifidobacterium spp. que metabolizam muito bem o oligossacarídeos (HMOs). Crianças alimentadas com leites formulados têm menos Lactobacillus e Bifidobacterium spp e um aumento significativo de Clostridium spp., Bacteroides spp. e de membros da família Enterobacteriaceae. Ao serem introduzidos na alimentação, cereais, frutas e vegetais outros micro-organismos aparecem como bactérias Gram-negativas como os Bacterióides, espécies do filo Firmicutes e as Actinobactérias. Nas bactérias dos adultos predominam os filos Firmicutes e Bacteroidetes.
O tipo de alimentação é um fator importante. Estudos feitos com crianças africanas, que têm uma dieta rica em fibras e crianças européias com uma alimentação baixa em fibras, mostraram diferenças significativas. No primeiro grupo, a microbiota mostrou ser formada mais por espécies de Bacteroidetes e Actinobacterias do que por Firmicutes e proteobacteria. O oposto foi observado nas crianças européias. Diferenças também foram observadas nos gêneros encontrados: nas crianças africanas predominam o Prevotella spp. e Xylanibacter spp., enquanto nas européias, os gênerosBacteroides spp. e Alistipes spp prevalecem dentro dos Bacteroidetes.
Vários fatores afetam a utilização das glicanas pelas bactérias intestinais. A degradação destas glicanas pode ser dificultada porque muitos destes substratos estão em microambientes como a camada de mucosa do intestino. Outras estão em alimentos que possuem glicanas como celuloses, hemicelulose e pectina na parede celular destas plantas. O amido pode estar em grânulos insolúveis resistentes às enzimas degradativas. Cozimento, moagem e outras metodologias usadas na preparação dos alimentos podem minimizar estes problemas, mas são as enzimas microbianas que conseguem degradar estas glicanas. Algumas espécies, como o endosimbionte Bacteroides thetaiotaomicron, por exemplo, pode degradar mais de 12 tipo de glicanas.
Estratégias diferentes para degradar os carboidratos são desenvolvidas por esses micro-organismos em relação à organização e expressão dos genes, tipo e números de enzimas envolvidas e mecanismo de transporte. No intestino, existem os microambientes diferentes, passando pelo íleo e colon até o reto, com tecidos com características histológicas peculiares em relação à espessura da camada mucosa que vão alterar a disponibilidade das glicanas.
Suplementações com fibras prebióticas da dieta como a inulina (β- frutana de cadeia longa) e fruto-oligossacarideos têm sido eficientes para minimizar os efeitos de uma dieta rica em gordura. Essas fibras promovem o crescimento do Bifidobacterium spp., Roseburia spp. e Faecalibacterium prausnitzii. As fibras previnem o câncer de colo em ratos e reduz inflamações. Recentemente, formulações contendo arabinoxialanas e chitina-glicana foram promissoras em restaurar o balaço Bacterioides/ Firmicutes na comunidade microbiana, melhorando as funções, mesmo em dietas ricas em gorduras. Os prebióticos ajudam a reduzir o colesterol porque estimulam a microbiota a produzir propianato que é transportado pela corrente sanguínea até o fígado, inibindo a síntese de colesterol. A adição de outros micro-organismos para compor a microbiota, como os probióticos, também é de grande utilidade.
Todos esses estudos, muito bem abordados nesta revisão, mostraram que a disponibilidade das glicanas e polissacarídeos é um dos principais fatores na determinação da relação dos carboidratos com a microbiota intestinal.
Fonte: Nature Reviews Microbiology