A resistência a antimicrobianos é um problema grave, pois aumenta os custos de tratamento e a mortalidade de doenças infecciosas. Este é um quadro comum e desafiador em hospitais, e tem sido cada vez mais relatado em infecções comunitárias, como infecções urinárias, tuberculose e gonorreia, entre outras.
A Semana Mundial de Conscientização sobre os Antimicrobianos (WAAW – World Antimicrobial Awareness Week) tem por objetivo alertar a sociedade para o problema da resistência aos antibióticos e a motivar que todos se comprometam com o enfrentamento a este desafio.
Isto inclui ações como vigilância epidemiológica, desenvolvimento de novas alternativas terapêuticas, e o estabelecimento de protocolos para a venda e prescrição de antimicrobianos. Mas todos precisamos colaborar fazendo uso e descarte responsável destes medicamentos, além de aderirmos a campanhas que reduzem a ocorrência de infecções, como as relacionadas a saneamento básico e vacinação.
Nós do Instituto de Microbiologia estamos convencidos de que o engajamento contra a resistência a antibióticos é maior quando há conhecimento. Queremos ser cada vez mais uma referência para pesquisa, comunicação, educação e treinamento sobre o tema.
Para mais informações sobre resistência a antimicrobianos siga nas redes sociais:
Twitter | Instagram
Baixe e compartilhe nosso material de divulgação com os grupos de interesse.
Conheça AQUI algumas pesquisas desenvolvidas no IMPG sobre resistência a antimicrobianos.
Pesquisas Desenvolvidas no IMPG Sobre Resistência a Antimicrobianos
Título: Dermatite atópica, Staphylococcus aureus e resistência antimicrobiana: uma combinação indesejada
Autores: Lorrayne Cardoso Guimarães e Kátia Regina Netto dos Santos
A dermatite atópica é uma doença de pele em que são observadas lesões que coçam intensamente. Essa doença acontece principalmente em crianças que, além das lesões, podem apresentar alergias alimentares, dificuldade para dormir, asma, entre outras manifestações. A causa dessa doença envolve diferentes fatores, como alteração da estrutura da pele, do sistema imunológico e dos microrganismos que habitam a pele. Neste sentido, estudos relatam que crianças com dermatite atópica apresentam uma bactéria chamada Staphylococcus aureus em alta quantidade, principalmente nas lesões, quando comparado com pessoas sem a doença. Um estudo realizado por nosso grupo observou que 85% das crianças com dermatite atópica atendidas em um ambulatório do Rio de Janeiro apresentavam essa bactéria no nariz. Além disso, outro estudo, que se encontra em andamento, observou que todas as crianças analisadas apresentavam essa bactéria na pele, enquanto apenas metade das crianças sem a dermatite tinha esse microrganismo. Embora S. aureus seja encontrado na pele e nariz de pessoas saudáveis, na dermatite atópica está associado com aumento da gravidade da doença e com ocorrência maior de infecções. Isso poderia contribuir para a ocorrência de outro problema, como a resistência a antimicrobianos, uma vez que S. aureus pode adquirir resistência devido ao uso frequente de antimicrobianos para tratamento das infecções. De fato, estudos do nosso grupo têm observado uma alta quantidade de crianças com dermatite atópica apresentando S. aureus resistente a um antimicrobiano utilizado como primeira escolha para tratamento de infecções de pele por essa bactéria. Além disso, nosso grupo mostrou em publicação recente que essa bactéria resistente também estava presente em familiares que convivem com essas crianças. Esses resultados demonstram a importância do monitoramento contínuo de resistência aos antimicrobianos nessa população e do cuidado para evitar sua disseminação nos ambientes comunitários.
Os artigos podem ser lidos na integra:
Título: Avanços e lacunas na pesquisa sobre a disseminação de superbactérias nas águas das praias
Autor: Renata Cristina Picão
Bactérias resistentes a muitos antibióticos, também chamadas de ‘superbactérias’, causam infecções difíceis de tratar e, muitas vezes, os pacientes não evoluem bem. Enzimas carbapenemases têm sido associadas a superbactérias porque conferem resistência a muitos antimicrobianos, inclusive alguns que são considerados críticos para o tratamento de infecções graves. Curiosamente, esta enzima pode ser adquirida não somente de sua célula-mãe, mas também por transferência horizontal de genes, um fenômeno comum em bactérias que habitam o mesmo ambiente. Bactérias produtoras de carbapenemases adquiridas apareceram nos hospitais em meados da década de 1990 e mais recentemente têm sido detectadas também em ambiente extra-hospitalares. Nosso grupo vem estudando a ocorrência desses microrganismos em águas costeiras recreativas desde 2013, e temos demonstrado que potenciais patógenos produtores de carbapenemase são mais frequentes em águas mais poluídas. Mais grave, as ‘superbactérias’ que chegam nas praias por meio do esgoto podem transmitir essa capacidade a microrganismos naturais desse ambiente, o que pode significar que estamos produzindo um reservatório estável de produtores de carbapenemases nas águas das praias. É possível que a população em contato com essas águas esteja sob maior risco de desenvolver infecções por essas superbactérias, mas essa hipótese ainda precisa ser confirmada em estudos amplos e complexos. Com o objetivo de contribuir para esta discussão, voltamos nossas atenções para explorar se fatores como índice de poluição, regime de marés, pluviosidade de 7 dias, salinidade, pH e temperatura da água, ao quais são facilmente monitoráveis, poderiam predizer a frequência de bactérias produtoras de carbapenemases em águas de cinco praias da zona sul da cidade do Rio de Janeiro ao longo de um ano. Além de confirmar o lançamento de esgoto como principal influência da presença dessas superbactérias nas águas costeiras, o estudo permitiu a quantificar o peso de cada um nesta ocorrência. A futura modelagem desses fatores tem, agora, potencial para predizer a quantidade de 'superbactérias' nas águas e contribuir para a avaliação do risco que tal disseminação ambiental oferece à saúde humana. Nosso grupo segue profundando essas pesquisas para descrever o que favorece a disseminação extra-hospitalar das superbactérias e, então, propor soluções para contornar esse problema.
Os artigos podem ser lidos na integra em:
Occurrence of carbapenemase-producing bacteria in coastal recreational waters
Frequency and diversity of Stenotrophomonas spp. carrying blaKPC in recreational coastal waters
Predictors of carbapenemase-producing bacteria occurrence in polluted coastal waters
Título: Identificação de hotspots de resistência aos antibióticos nas águas da Baía de Guanabara durante a pandemia de COVID-19 no Rio de Janeiro.
Autores: Anna Luiza Bauer Canellas, Wellington Felipe da Costa, Marinella Silva Laport
A resistência aos antibióticos é amplamente investigada no contexto clínico, uma vez que dificulta o tratamento de infecções e aumenta as taxas de mortalidade. Sabemos que durante a pandemia de COVID-19, o uso de antibióticos, antissépticos e desinfetantes aumentou de forma significativa. Contudo, sob a perspectiva ambiental, este tema ainda é pouco explorado. Ecossistemas aquáticos, como a Baía de Guanabara (BG), no Rio de Janeiro, são frequentemente utilizados para fins recreativos e de subsistência. Sabe-se que um volume expressivo de esgoto não tratado e outros poluentes são despejados diariamente em suas águas, contribuindo para a introdução de microrganismos patogênicos e resistentes aos antibióticos, além de resíduos de antibióticos e metais pesados. Consequentemente, estes fatores podem levar à disseminação da resistência no ambiente, representando um risco à saúde de humanos e animais. No trabalho realizado em junho de 2020 pelo grupo do Laboratório de Bacteriologia Molecular e Marinha (IMPG/UFRJ), coordenado pela Profa. Marinella S. Laport, amostras de águas coletadas em pontos distintos na BG foram analisadas quanto à presença de bactérias resistentes a antibióticos. Foi detectada a presença de bactérias multirresistentes e carreadoras de importantes mecanismos de resistência aos antibióticos, como a produção de enzimas betalactamases de espectro estendido. Estas bactérias foram identificadas principalmente nos locais mais poluídos, marcados por altas contagens de coliformes fecais, como nas proximidades das Ilhas do Governador e do Fundão. As bactérias identificadas são potenciais patógenos de humanos e animais aquáticos, como Aeromonas e Vibrio. Assim, ainda que a Baia de Guanabara seja uma importante atração turística do Rio de Janeiro, nosso estudo demonstrou que bactérias patogênicas e resistentes aos antibióticos podem ser encontradas nestas águas, com possíveis consequências à saúde pública.
O artigo pode ser lido na integra AQUI.
Título: O gradual avanço da resistência a azitromicina em Neisseria gonorrhoeae no Rio de Janeiro pode ser agora acelerado pela disseminação clonal
Autor: Raquel Regina Bonelli
A capacidade que Neisseria gonorrhoeae tem em adquirir resistência a antimicrobianos faz com que este microrganismo seja alvo de atenção em todo o mundo. Devido a altas taxas de resistência relatadas aos antibióticos anteriormente utilizados para o tratamento de gonorreia, desde setembro de 2017 o Ministério da Saúde recomenda a terapia combinada com ceftriaxona e azitromicina em dose única para o tratamento de gonorreia no Brasil. Apesar de ainda não haver casos de resistência a ceftriaxona no Brasil, a ocorrência de isolados resistentes a azitromicina já é uma realidade. Em um estudo envolvendo 550 amostras isoladas de sete capitais do país em 2015 e 2016 (Brasília, Salvador, Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Manaus e Florianópolis), 7% das amostras foram classificadas como resistentes a azitromicina. No Rio de Janeiro, uma prevalência ainda maior (17%) foi identificada em 116 amostras obtidas entre 2006 e 2015, estando estas amostras distribuídas em diferentes grupos clonais e anos do estudo. No entanto, uma mudança de cenário foi observada no Rio de Janeiro nos últimos anos. Considerando 93 amostras de N. gonorrhoeae isoladas entre os anos de 2014 e 2017, foi observado ano a ano uma menor suscetibilidade a azitromicina, o que se refletiu em um consistente aumento de amostras resistentes ao longo destes anos. Além de maior porcentagem de resistência nas amostras deste recorte temporal (25% da coleção, que é composta por amostras provenientes de laboratórios de análises clínicas), algumas tinham um mecanismo de resistência de alto impacto sobre a efetividade do medicamento. E, importante, análises filogenéticas demonstraram que, após 2016, diferente dos anos anteriores, muitas amostras resistentes a azitromicina pertenciam ao mesmo complexo clonal, o qual pode estar se consolidando na cidade. Estes dados precedem o surgimento da COVID. Como será que está a situação agora, depois do extensivo e inadequado uso desta droga associado à pandemia? É o que vamos continuar pesquisando!
Os artigos podem ser lidos na integra em:
Phylogeny and antimicrobial resistance in Neisseria gonorrhoeae isolates from Rio de Janeiro, Brazil
Título: Você já pensou na importância dos animais para a emergência e disseminação da resistência aos antimicrobianos? Por aqui a gente só pensa nisso!
Autor: Miliane Moreira Soares de Souza
Entender como os ambientes onde animais selvagens são mantidos, animais de produção são criados e pets recebem cuidados clínicos contribuem para o aumento e a disseminação da resistência antimicrobiana é o foco dos projetos desenvolvidos pela equipe do Laboratório de Bacteriologia Veterinária da UFRRJ. Sabemos que o uso irresponsável de antimicrobianos na saúde humana e animal e o descarte de resíduos desses medicamentos no ambiente favorece a seleção de microrganismos resistentes, contribuindo para o aumento da resistência observado nas últimas duas décadas. Assim, temos coletado e analisado amostras de animais de companhia provenientes de abrigos de animais errantes, ambiente hospitalar e setores de necropsia; de animais de produção, como frangos de corte e bovinos de leite; e de animais silvestres, como jabutis, mãos-peladas, cachorros-do-mato, carcarás e maritacas. Nessas amostras detectamos diversas espécies de bactérias com perfis de resistência importantes, mas vamos dar destaque a detecção de bactérias apresentando genes de resistência a colistina, os genes mcr. A colistina é um antimicrobiano muito importante para a saúde humana, pois representa a única opção terapêutica disponível para o tratamento de infecções causadas por bastonetes Gram-negativos que já possuem duas linhas de resistência, a produção de betalactamases de espectro estendido e de carbapenemases. Detectamos esses genes de resistência a colistina em bactérias isoladas de traqueias e cloacas de frangos de cortes, e também em bactéria isolada da cloaca de maritaca clinicamente saudável. A compreensão de que todos os sistemas naturais se encontram interligados e que exercem influência uns sobre os outros no que chamamos de Saúde Única nos motiva a entender de que forma o ambiente animal contribui com a dinâmica e evolução da resistência bacteriana.
O artigo pode ser lido na integra AQUI
Título: Estudo mostra que cepas de Streptococcus pyogenes tem capacidade de formar células persistentes aos antimicrobianos
Autores: Bernadete Carvalho e Caroline Martini
Streptococcus pyogenes (Streptococcus do grupo A – SGA) é uma importante bactéria que pode causar doenças não complicadas como a faringite, mas também outras doenças graves e invasivas, como pneumonia, endocardite, fasciíte necrotizante e síndrome do choque tóxico. Essa bactéria permanece universalmente sensível ao antibiótico penicilina apesar do seu uso por 80 anos. Entretanto, falhas no tratamento clínico têm sido relatadas em algumas infecções. Muitas hipóteses foram propostas para explicar essas falhas terapêuticas, porém, nenhuma delas convenceu. Estudando o assunto, mostramos que as 211 cepas testadas de SGA têm a capacidade de formar bactérias persistentes aos antimicrobianos (persisters) quando aglomeradas num ambiente semelhante a um biofilme. Nesse ambiente as células cresceram na presença de até oitocentas vezes a quantidade de antibiótico capaz de matar células não tão aglomeradas, inviabilizando a terapia com todos os antibióticos.Persisters compreendem uma subpopulação bacteriana que entra em um estado de dormência devido a um metabolismo mais lento e pela inibição do seu crescimento em relação às não persisters. Na literatura já foi descrita uma intensa atividade de efluxo nos persisters de outras espécies e os dados deste estudo sugerem que as bombas de efluxo, que jogam a droga para fora da célula impedindo a sua ação, possivelmente estão envolvidas no fenômeno de persistência aos antibióticos em Streptococcus pyogenes. Experimentos também revelaram que as células persistentes apresentaram inibição de genes associados à biossíntese de proteínas e ao crescimento celular. Além disso, a análise das proteínas presentes revelou que as células não persisters apresentam níveis mais elevados de proteínas ribossômicas. O sequenciamento do genoma completo das células de S. pyogenes sensíveis e das persistentes indicou que os persisters ocorrem por mecanismos não herdados de resistência, ou seja, não há alterações (mutações) no cromossomo bacteriano que possam ser responsabilizadas por esse fenômeno.A persistência descrita pelo artigo traz novos caminhos para se entender as falhas terapêuticas em infecções por Streptococcus pyogenes. Um conjunto de mecanismos envolvendo a inibição da síntese de proteínas, comprometimento do crescimento celular e bombas de efluxo parecem desempenhar papéis cruciais nesse processo, demonstrando o quanto é importante entender o fenômeno e propor novas terapêuticas para infecções muitas vezes fatais.
O artigo pode ser lido na integra AQUI.